data-filename="retriever" style="width: 100%;">Fotos: Pedro Piegas (Diário)
Durante a pandemia, educadores precisam transformar a sala de casa em local de trabalho
É fato que a pandemia do novo coronavírus teve um impacto significativo na vida de todas as pessoas. No entanto, uma classe que teve de se adaptar totalmente ao novo cenário e fazer uso de outras tecnologias foi a dos professores. Habituados às aulas presenciais, tiveram que se readequar ao ambiente online, e as ferramentas disponíveis para facilitar o ensino acabam, muitas vezes, tornando-se um estresse à parte. Um exemplo é o Whatsapp que, apesar de aproximar professores e alunos, acaba se tornando um canal de comunicação ininterrupto: as mensagens chegam em todos os turnos, nos finais de semana e em feriados.
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O acúmulo de tarefas, a necessidade de adquirir novas habilidades, a dificuldade de se desligar do trabalho, dentre outros fatores, levam a uma sobrecarga que pode virar uma patologia: a Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional. Trata-se de um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultantes de situações de trabalho desgastantes. Segundo o psiquiatra e professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Vitor Crestani Calegaro, o relato que vem recebendo de educadores é de que a quantidade de trabalho está muito maior. Além disso, muitos também são pais e, agora, também se tornaram responsáveis pelo ensino dos próprios filhos.
- Isso exige um tempo muito maior dedicado às tarefas do que era antes. Então, causa um aumento de estresse porque a pessoa fica com o senso de responsabilidade, de conciliar essas coisas e de dar conta de todas as demandas. Muitas vezes, para fazer isso, tem que abdicar do tempo de lazer, de sono, de atividades físicas - explica o psiquiatra.
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DADOS PREOCUPAM
Se a pandemia provocou grandes mudanças na rotina dos professores, para os docentes da rede estadual, os impactos são ainda maiores. A categoria também sofre os reflexos de salários parcelados há mais de cinco anos e, com o cenário atual, a saúde mental fica ainda mais debilitada.
Em Santa Maria, no Colégio Estadual Coronel Pilar, seis professores estão em licença saúde por razões de saúde mental, um pediu exoneração do cargo e um passa pelo processo de solicitação de licença não remunerada.
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Segundo o diretor da escola, Elton Albo Neves, o fato de ter 10% do quadro docente afastado é inédito e causa preocupações. Ele afirma que os pedidos de licença sem o pagamento de salário têm se mantido constantes há cinco anos, desde que o salário do funcionalismo público estadual passou a ser pago de forma parcelada. Porém, os afastamentos por sofrimento psíquico aumentaram desde o começo da pandemia. O dado sobre o total de docentes afastados em Santa Maria foi solicitado à Secretaria Estadual de Educação (Seduc) em agosto, porém, não foi liberado pelo governo.
- Os principais motivos de reclamações são o estresse, o acúmulo de trabalho e de diferentes funções, as atividades extras que antes não precisavam fazer. Outro problema é a dificuldade no uso de ferramentas tecnológicas que alguns professores encontram, já que não estão habituados a dar aula dessa forma. Para um grande grupo, não fazia parte trabalhar com tecnologias - reflete Neves.
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Ainda conforme o diretor, 80% dos alunos da escola (o que representa cerca de 800 adolescentes) estão conseguindo acompanhar as aulas de forma remota. No entanto, o restante, sem acesso à internet, precisa retirar os materiais de forma presencial na instituição uma vez na semana. Isso significa que os professores precisam desenvolver dois tipos de atividades distintas: aquelas destinadas ao ensino remoto e as físicas, para os alunos sem acesso à tecnologia. Depois, da mesma forma, é preciso corrigir e avaliar os trabalhos nas duas plataformas. Além disso, por conta do ensino a distância, os educadores precisam preencher planilhas que são encaminhadas ao governo do Estado. Em alguns casos, é preciso preencher até 16 documentos com informações diferentes. Essa é outra realidade nova, imposta por conta da pandemia.
- Duas colegas pensaram em pedir aposentadoria proporcional ao tempo de serviço (por conta do estresse). No entanto, o salário ficaria muito menor, e conseguimos convencê-las a não fazer isso e esperar - conta o diretor.
Trabalho duplo: professores precisam ensinar alunos e filhos
style="width: 100%;" data-filename="retriever">Cristiane (ao fundo) e Adriana têm se dividido entre dar aulas online para os alunos e participar das atividades dos filhos em casa
Além da carga de trabalho gerada pelas atividades remotas e pela demanda constante do home office, outro desafio encontrado pelos educadores da rede estadual é a segunda parte da jornada: depois de dar aulas para os alunos, precisam ensinar os próprios filhos. Essa é a realidade de Adriana Wachtmann Borges Fortes, professora de matemática, e Cristiane Feltrin Cavalin, professora de física, ambas do Colégio Estadual Manoel Ribas, o Maneco. As duas são mães de crianças pequenas e afirmam que a demanda aumentou muito desde março.
- Eu, pessoalmente, estou me dividindo em mil. Eu tenho que ser a professora dos meus alunos e dos meus filhos. Passo por momentos de muita ansiedade, porque penso: "será que vou conseguir? Será que meus alunos vão saber usar (a plataforma)? Vão aprender?" Porque não sei se estou no caminho certo. Mas a gente divide essa angústia com os colegas. A gente fica mais aliviado de saber que as angústias são de todos - desabafa Adriana.
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Para o psiquiatra Vitor Crestani Calegaro, o estresse gerado por essas situações não será, necessariamente, patológico. Ele explica que, primeiro, se passa por um período de adaptação à nova realidade, o que demanda recursos internos e externos de superação. No entanto, com o passar do tempo e a continuação do fator estressante, como no caso da pandemia, isso pode levar a um maior sofrimento psíquico e ao surgimento de doenças, como transtornos de ansiedade e depressão.
- Se, nessa altura do campeonato, a pessoa ainda mantém os sintomas de estresse, se sente muito cansada, tem insônia ou ligada na tomada, com ansiedade, sobressaltos, e sintomas físicos, como palpitações, sensação de falta de ar, dor de cabeça, ainda mais quando isso vem acompanhado de uma sensação de perda de prazer nas coisas, tristeza, pode ter dado início a um transtorno de ansiedade ou depressão - destaca Calegaro.
RECOMENDAÇÕES
Segundo o psiquiatra, é preciso tentar reorganizar as tarefas, equilibrar o sono e achar um espaço para desestressar, focando em atividades de lazer e exercícios físicos. No entanto, se a pessoa sente que não consegue fazer isso sozinha, ou se tem outros sentimentos somados ao cansaço, como tristeza, angústia, raiva, irritabilidade, é indicado buscar ajuda com profissionais que trabalhem diretamente com saúde mental, como psicólogos e psiquiatras.
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- Às vezes, se perde o sentido com o trabalho e até com a própria vida, tendo ideações suicidas. Nesse momento, é essencial, imediatamente, buscar ajuda médica - informa Calegaro.
Outra dica é estabelecer um horário fixo que será dedicado ao trabalho. Como as redes sociais ficam à disposição, muitos pais acabam fazendo contato em todos os turnos, e isso gera uma longa jornada de atendimentos. Assim, definir períodos para isso pode ajudar a delimitar o tempo disponibilizado para o home office e para o descanso.
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Falta de estrutura para o retorno presencial gera mais estresse
Além da insegurança com o momento atual e a sobrecarga de tarefas, outro problema que ronda o pensamento dos educadores é a retomada presencial das aulas, visto que muitas escolas não dispõem da infraestrutura necessária para garantir a segurança sanitária de todos.
No Colégio Estadual Coronel Pilar, o diretor, Elton Albo Neves, conta que já foi feita a compra de produtos de higienização, como dispenseres de álcool em geral, protetores faciais de acrílico e máscaras. No entanto, a instituição não conta com funcionários suficientes para garantir a sanitização do local.
- Há um medo do retorno presencial porque há falta de estrutura. São mais de mil alunos e só três pessoas que cuidam da limpeza. Faltam recursos humanos para atender à higienização necessária. Além disso, dentro do corpo docente, há professores que tem mais de 60 anos e os que possuem comorbidades - explica Neves.
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O comprometimento do quadro de educadores é outra preocupação: segundo uma pesquisa feita pelo Cpers/Sindicato, 96% das escolas gaúchas possuem pessoas nos grupos de risco. Ainda, 44% dos educadores que responderam aos questionários afirmaram pertencer a essa parcela mais vulnerável ao novo coronavírus.
Aos funcionários, foi questionado se haviam materiais de limpeza suficientes para que fosse feita a desinfecção dos espaços e, do total, 57% responderam que não. De forma complementar, as direções informaram que em 71% dos estabelecimentos de ensino não há o fornecimento necessário de máscaras, e 70% indicaram que as escolas não possuem o espaço físico necessário para atender aos alunos mantendo o distanciamento necessário.
Em Santa Maria, duas escolas - uma municipal e uma estadual - já tiveram funcionários que testaram positivo para o novo coronavírus durante o mês de agosto.
NÚMEROS
Motivos e números de solicitações de exoneração (de março a agosto/2020), na área da 8ª CRE*
- Mudança de cidade - 2
- Motivos particulares - 3
- Outro emprego - 7
- Saída para ocupar cargo eletivo - 2
- Dispensa por término de contrato - 2
*Os pedidos de licença são feitos diretamente à Secretaria Estadual de Educação. O Diário solicitou um levantamento desses dados, mas não obteve retorno
Fonte: 8ª Coordenadoria Regional de Educação